O Código de Processo Civil estabelece vedação aos juízes para decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar. Cuida-se do Princípio da Não Surpresa, em consonância direta ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.

O contraditório é o direito fundamental que assegura, não só, a ciência, dos atos processuais, como também, a possibilidade de efetiva manifestação, ou seja, de participação ativa no processo. Em simples termos, é o direito de ser ouvido e, principalmente, de ter seus argumentos, teses e provas, levados em consideração pelo magistrado.

O Princípio da Não Surpresa nada mais é do que uma garantia de efetividade do direito ao contraditório. Essa prerrogativa prevalece ainda que se trate de matéria sobre a qual deva o juiz decidir de ofício – sem prévia intimação das partes.

Ainda assim, não se está diante de um princípio absoluto, pois nenhum deles é.

A vedação da não surpresa permite exceções e tem sido cada vez mais relativizada pelos tribunais pátrios.

Tratando-se, por exemplo, de matéria de ordem pública, concessão de tutela provisória ou de evidência, julgamento liminar de improcedência da inicial e decisão de mérito baseada em fatos e provas apresentados nos autos, o legislador já prevê expressa minimização deste princípio. Hipóteses nas quais a não surpresa pode ser relativizada, diante da falta de prejuízo à parte, em correspondência à eficiência e celeridade.

É o caso, também, dos Juizados Especiais Cíveis, cujo artigo 2ª, da Lei nº 9.099/95, dá especial relevância ao Princípio da Celeridade.

O conflito entre princípios decorre do entendimento de que o Código de Processo Civil se aplica apenas de forma subsidiária à Lei dos Juizados, isto é, naquilo em que com ela for compatível. De modo que, o privilégio da celeridade nem sempre corresponde à ampla manifestação das partes nos autos, provocando preterição de garantia do contraditório participativo em prol de uma resolução mais rápida da lide.

É bastante delicado, por outro lado, diferir o contraditório, direito essencial aos litigantes, em prol de mera prestação jurisdicional acelerada. Por isso, um relevante critério de validade do ato de suprimir ou postergar o contraditório corresponde à ausência de prejuízos à parte.

Inclui-se mais um princípio no debate, o pas de nullité sans grief, ou a ausência de nulidade sem comprovação de prejuízo. Esse mandamento consagra o aproveitamento de atos irregulares em um processo que não causem qualquer dano às partes.

Assim, se é proferida decisão em um juizado especial cível, buscando a celeridade do processo, sem prévia intimação da parte para especificamente se manifestar sobre o objeto decidido, é plenamente possível sua validação, caso não sobrevenha desmedido prejuízo.

O problema se revela então, na baixa probabilidade de reversão da decisão, pela escassez recursal da Lei 9.099/95, tornando bastante difícil a comprovação de prejuízo nos autos. Hipótese em que a relativização da não surpresa pode se tornar prática de verdadeira supressão do contraditório, não pela relativização em si, mas pela dificuldade extrema de impugnação do ato.

Questão que não decorre diretamente da relativização do princípio abordado, mas da carência recursal causada pelo legislador – também objetivando a celeridade dos juizados. Afinal, a lei dispõe apenas sobre a interposição de Recurso Inominado em face da sentença, sendo omissa quanto à via recursal oponível às decisões interlocutórias, isto é, aquelas proferidas no curso do processo.

Dessa forma, demonstra-se essencial obstar a relativização da vedação a não surpresa em sede de juizados especiais cíveis, a fim de evitar a perpetuação de prejuízos às partes, pela carência recursal. Na dúvida, acredita-se mais importante prezar pelo exercício pleno do contraditório do que impossibilitar a correção de irregularidade.

 

 

Escrito por BIANCA LUCENA SIMÕES